quarta-feira, 3 de março de 2010

O ALEGRE E CORDIAL POVO BRASILEIRO


Sou um ferrenho crítico da cultura brasileira do jeitinho que deseja sempre levar vantagem em tudo, e acaba sendo traduzida por muitos como uma alegre forma de se comportar e de "encontrar" soluções do povo brasileiro. O depoimento a seguir que publicamos hoje no Gothe Gol, e que relata fatos acontecidos no Emirates Stadium em Londres por ocasião do jogo de ontem entre Irlanda e Brasil, é o extrato mais puro da média do comportamento do brasileiro no seu dia-a-dia, na fila do INSS, no trânsito, no supermercado, na declaração do imposto de renda, e tantas outras situações. Infelizmente. Veja o que nos conta Pedrinho Hallal, direto de Londres e que demonstra porque a fama "injusta" dos brasileiros lá fora, não é das melhores.

Orgulho de ser brasileiro?


Londres - Ao longo da minha vida, embora eu não seja um nacionalista ou bairrista de carteirinha, sempre fui um cara com orgulho das minhas raízes (Brasil e RS, respectivamente). Alguns dirão que um gaúcho que não toma chimarrão não é gaúcho, mas eu acho que compenso com a quantidade de churrasco que eu como. Depois de visitar muitos lugares no mundo, é difícil encontrar gente tão simpática e sorridente como o brasileiro. Os dois lugares em que isso também era marcante foram a África do Sul e as Ilhas Maurício. Fora isso, não visitei qualquer lugar com povo mais simpático (ou igualmente simpático) do que o brasileiro. Até na Itália, que é um país de gente alegre, fiquei com a impressão de que ainda falta aquele sorriso e descontração do brasileiro. Aqui na Inglaterra, isso é mais marcante, pois o inglês é geralmente um cara fechado, que só se torna simpático depois que te conhece. Sendo assim, na maioria das vezes (porque não se conhecem), eles sequer se olham no metrô, no ônibus, etc.

Dito isso, ontem fiquei praticamente envergonhado de ser brasileiro. Já fui a três jogos do Arsenal com estádio lotado e a um jogo do Chelsea com estádio igualmente lotado. Ontem o estádio estava longe de estar lotado. Acho que estava com metade da capacidade preenchida ou até menos. Mas as coisas que eu vi lá foram impressionantes. Começou com a entrada no estádio. Normalmente, a entrada é tão simples como deveria ser sempre: tem filas pequenas, ninguém passa na frente dos outros, todos esperam, e pronto. Muita gente chega com antecedência e entra no estádio para jantar nos bares/lanchonetes que não são luxuosos, mas servem cachorro quente limpo, pizza limpa, refri, cerveja, galinha, fish and chips, etc. Sendo assim, não tem aquela correria de última hora e o troço simplesmente funciona.

Ontem, isso não aconteceu. Nos portões do estádio, não se via fila, mas sim aquela embolação típica dos estádios do Brasil. Tinha cambista aos montes, desesperados porque notaram que iam morrer com os ingressos. Todos falavam português. Era empurrão, gente furando fila, xingamentos, reclamação, etc. Era tudo o que eu nunca tinha visto nos estádios daqui. Quando nós entramos por um portão especial (por causa do meu bebê de 11 meses), um rapaz tentou entrar junto conosco, tentando disfarçar que era da nossa família. O segurança contou os ingressos e notou que tinha um ingresso a menos. Simplesmente tive que olhar para o cara que deu meia volta sem a mínima vergonha.

Afinal, qual o problema de tentar dar um jeitinho?

Ao entrar no estádio, a situação não melhorou. Ao contrário, piorou. Ao chegar no meu lugar, tinha gente sentada lá. Dois gurizãos com cara típica de que querem ser mais espertos do que os outros. Eu disse para eles (em português, é óbvio) que aquele era o meu lugar e eles sairam, sendo que um deles ainda disse: "É que alguém pegou o nosso lugar". Como assim alguém pegou o nosso lugar? Existe um ingresso que diz onde é o lugar. Ou eles entraram de furo ou, o que é mais provável, compraram um ingresso num lugar ruim e queriam ficar num lugar bom. Parece mentira, mas não é. Nos primeiros 10 minutos de jogo, aconteceram os seguintes fatos:

1) Praticamente não enxergamos nada, porque ainda havia muita gente tendo que explicar para os "amigos dos gurizãos" que os lugares eram marcados e que eles deveriam sair do lugar que não era deles.

2) Um brasileiro (cerca de 30 anos) exaltado porque "perdeu o lugar" (que não era dele), quase brigou com um casal irlandês, sendo que o casal tinha cerca de 60 anos de idade (cada).

Chegando a hora do intervalo, assim que o Brasil fez o gol, eu pensei. Falta um minuto para o intervalo, então vou ir lá agora para comprar comida e bebida, para evitar a lotação. Já que o meu filho estava no meu colo, o tempo de eu dar ele para a minha esposa e sair já acabou coincidindo com o final do primeiro tempo. Ou seja, sai na mesma hora que a multidão para o intervalo. O que eu vi nos bares, lanchonetes e banheiros lembrava o meu querido Bento Freitas. No banheiro, era gente mijando no chão, desrespeitando fila, atirando papel no chão. Não dá para dizer que é normal, porque eu já fui ao banheiro no intervalo de jogos realmente lotados do Arsenal. Existe uma fila e a pessoa chega e vai para o final da fila. Não existe a idéia: "O que eu posso fazer para pular na frente de alguns?".

Ao tentar comprar comida e bebida, quase não acreditei. Entrei no final de uma fila e comecei a ter a mesma sensação que tenho às vezes no Brasil. A fila não andava. Não demorou para notar que era o caso de sempre. Alguns furavam a fila, outros ficavam lá no balcão comprando cerveja para 400 pessoas, que iam dando o dinheiro para ele, etc.

A filha da minha esposa, de 12 anos, teve que ficar grudada em mim com medo de ser esmagada ou algo do tipo. Atrás de mim, dois caras conversavam (em português): "Putz, que merda isso de não poder fumar. Mas eu tô na fissura. Acho que não dá nada, né?" Aí acenderam cigarros e demorou 20 segundos para tomarem uma grande mijada (em inglês). O que eles disseram? "I am sorry. Desculpa. Nós não sabíamos". As pessoas se molharam (e nos molharam) com cerveja, atiravam cachorro quente para quem estava lá atrás esperando, etc.

Ao final do jogo, no caminho do metrô, como sempre fazem, os policiais dividiram a rua em dois lados. Quem está indo para o metrô no lado esquerdo e quem está indo para outro local qualquer pelo lado direito. Os brasileiros (MUITOS) fingiram não entender e foram pelo lado direito, porque a fila andava mais rápido. Chegando perto da estação, eles começaram a pular a grade para o lado da fila do metrô. Cerca de 30 conseguiram, até chegarem os policiais e acabarem com a chinelada. O que alguns disseram? "Eu não tinha entendido".

O mais triste de tudo é saber que eles falaram em PORTUGUÊS ontem nos microfones do estádio boa parte do tempo. Sabendo que teria vários brasileiros no estádio, a polícia londrina e o Arsenal se prepararam para nos receber. Tinha souvenir oficial da seleção, tinha placas informativas em português. Tudo para receber bem os brasileiros.

O engraçado é que eu fui no jogo com a família toda, incluindo o Lucas, que tem 11 meses. Pensei que seria uma excelente oportunidade para introduzí-lo ao mundo apaixonante do futebol, num jogo neutro, num lugar bom. Que engano... Se depender do que vi ontem, o Lucas precisará de um bom tempo antes de voltar a um estádio de futebol.

Não estou decepcionado com o meu país por causa disso. Não deixei de ter orgulho de ser brasileiro por causa disso. Não vou pensar em morar aqui para sempre por causa disso. Mas com certeza, fiquei com a sensação:

"POR QUE NÃO PODE SER DIFERENTE?"

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